UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

 João Uchoa Cavalcanti Netto

Jornalista, Advogado, Juiz de Direito e professor. Fundador da Universidade Estácio de Sá. 

Recebeu-nos em seu escritório, no Rio de Janeiro, no dia 4 de abril 2001, para uma entrevista de 1h20m de duração. (Uchoa é entrevistado aqui por aluno do curso de Comunicação, da Estácio).

Como foi sua formação professional e sua trajetória pessoal até chegar a 1970, quando o Senhor fundou a Faculdade de Direito, primeira unidade das futuras Faculdades Integradas Estácio de Sá?

No Río, estudei nos colégios Santo Inácio e Mello e Souza. Depois disso, terminei o ginasial em Recife. 

Voltei para o Rio e fui trabalhar como repórter de polícia no jornal A Manhã. Depois trabalhei com o Heron Domingues, que era o locutor do Repórter Esso e estava criando o primeiro departamento de jornais falados do Brasil, na Rádio Nacional, onde fui redator.

 Eu recebia as notícias da United Press e da Asa Press, transformava aquilo em linguagem radiofônica e dava a ele para ler no ar. 

Nessa época, eu tinha meus 16 anos, o que não era nada de extraordinário, porque qualquer menino de 16 anos, naquele tempo, vindo do Pedro II ou do Santo Inácio, era capaz de fazer o que eu fazia.

Dali eu fui para a Aeronáutica, para a Escola de Cadetes de Barbacena. Fiquei em Barbacena seis meses. Não gostei da vida militar, voltei para o Rio, onde concluí o segundo grau. 

Meu pai, então, me arranjou emprego como escrevente juramentado no Fórum. 

Estudei direito na UERJ, que levei até o fim, e fiz faculdade de filosofia — uma parte, pois desisti no meio.

 Uma vez formado em direito, conheci minha primeira mulher. Ela morava em São Paulo e resolvi ir para lá.

 Pedi demissão do emprego e fui trabalhar no Bradesco, com seu Amador Aguiar, o que era o superintendente fundador. Durante uns dois anos

trabalhei com ele, como uma espécie de faz-tudo.

 Eu era muito garoto, estava com 22 anos, começando a vida, e ele foi muito gentil comigo, muito camarada. Me arranjou emprego também nos Diários Associados, onde fui repórter.

Bom, depois de dois anos, eu senti que não ia crescer muito no Bradesco, ou que banco não era a minha vocação. Resolvi pedir demissão, vim para o Rio de Janeiro e começar a vida de novo. Aí já vim com mulher e filha.

Cheguei aqui, abri uma pequena empresa de administração de imóveis, administração de condomínios, e comecei a trabalhar nisso. Era advogado, inexperiente, começando a vida.

Atuei nisso uns três anos, quando passei a achar cansativo, chato, lidar com síndico de edifício.

 Aí, por acaso eu vi no jornal assim: “Concurso para juiz de direito.”

 Então decidi: “Ah, vou fazer esse concurso.”

 Fui para casa, chamei meu sócio e disse: “Olha, vou estudar para esse concurso, se eu passar, lhe dou a minha parte da empresa. Você quer me sustentar até eu fazer o concurso?”

 Ele disse: “Sustento.” Pensei que o concurso saísse em seis meses, mas levou dois anos. Passei dois anos em casa estudando, sem fazer nada, e meu sócio me sustentando. Por sorte dele e minha, eu passei. Aí dei minha parte para ele e fui ser juiz.

 Depois de uns poucos anos como juiz, também aquilo foi ficando monótono.

Você vê que eu era uma pessoa um pouco agitada, eu queria ver a vida. 

Quando eu era escrevente juramentado, resolvi viajar, mas não tinha dinheiro. Pedi um empréstimo na Caixa Econômica, comprei uma passagem de ida para Paris e passei seis meses lá.

 Eu pegava jornal velho e vendia a peso, e com isso me sustentei durante um bom tempo. Eu era inquieto, gostava de me mexer. 

Pela minha vida você já vê: me casei quatro vezes.

Outro detalhe: eu tinha escrito uns livros. Fiz um romance quando tinha 19 anos, entrei num concurso do Diário de Notícias, ganhei uma menção honrosa e o livro foi publicado pela São José. Depois, em São Paulo, escrevi outro livro, O menino, ganhei o prêmio Fábio Prado, e o livro foi editado, pela Civilização Brasileira7. Naquela época eu estava interessado em escrever ficção.

Quando a função de juiz estava ficando monótona, resolvi ser professor. 

Fui professor de direito penal da Gama Filho e depois da PUC.

 Nessa altura eu já estava com três filhos e, para compor meu orçamento, porque o salário de juiz não estava dando para as despesas, resolvi dar umas aulas em casa.

 Botei um anúncio no jornal oferecendo aulas de prática forense para advogados recém-formados, para ensiná-los a atuar no Fórum. Fui tão bem-sucedido que acabei alugando uma sala num colégio do Leblon para dar aula aos sábados. 

Aí encheu muito e comecei a dar aulas no Centro também, em um escritório que aluguei. Mas então, porque e u não dava conta, contratei

outros professores — o que havia de melhor em direito no Rio de Janeiro: Ebert Chamoun, José de Aguiar Dias… As maiores estrelas.

POR QUE ESSE CURSO FEZ TANTO SUCESSO?

Porque naquele tempo o ensino do direito era muito teórico, e o pessoal não tinha prática.

 Propus um curso em que eu dava a prática, e eu era um juiz. Também não tinha tanto curso como hoje, havia uma carência. O que existe hoje é porque naquele tempo aconteceram o meu e outros. 

Aquilo era novo. E comecei a chamar gente muito expressiva para falar sobre cada área. Pegava o melhor entendido em seguro do Brasil e botava lá para dar aula de seguro, e enchia, os advogados iam.

 Tinha uma instituição pública, conveniada com a PUC, ligada a financiamento de imóveis – não lembro o nome dela — que me contratou também para fazer uns cursos de direito imobiliário.

 Aí sai espalhando curso de direito imobiliário pelo Brasil todo.

Quando eu estava nesse negócio, uma pessoa me disse: “Vem cá, por que você não abre uma faculdade de direito?”

 Eu nem imaginava abrir faculdade de direito, vivia o dia-a-dia. Aí eu disse: “Mas como é isso?” “Olha, a mulher do secretário do presidente do Tribunal trabalha no MEC. Pergunta a ela.

” Fui lá e perguntei:  Como é que se abre uma faculdade de direito? “É assim, assim, assim. “Ah, então vou tentar.”

Pedi ao MEC uma faculdade de direito para 80 alunos de manhã e 80 de noite. Era muito difícil. O Conselho Federal de Educação não queria dar, mas eu fiz uma proposta de curso muito original.

 Introduzi quatro cadeiras que eram muito importantes: português, que ninguém dava, história da filosofia, porque eu tinha feito filosofia e gostei, lógica e história.

Eu achava que, para formar um advogado, ele tinha que saber escrever, então tinha que ter português; ele tinha que ter uma ideia do que era pensar, e por isso tinha que fazer um pouco de história da filosofia, já que o direito é um produto do pensamento, não é um produto da natureza.

 Era bom que ele conhecesse um pouco de história, pela mesma razão, e lógica, porque ele precisa raciocinar com lógica, argumentar. Realmente, são coisas importantíssimas para dar. Acho isso fundamental para a formação do advogado, se for dado com adequação.

Eu fiz essa proposta e, por causa dessas originalidades, eles me deram um voto de confiança.

 Abri uma faculdade de direito pensando em ter uma faculdade de direito e nada mais; parar por aí. Não tinha outra intenção. O resto o mercado e o acaso se encarregaram de fazer. E eu corri atrás, não deixei a peteca cair. A história da Estácio é essa.

PELO QUE O SENHOR ESTÁ CONTANDO, TEM ALGUMA COISA DE ACASO, AS COISAS FORAM ACONTECENDO…

É, foi uma coisa, assim, muito prosaica. Até o nome é significativo. As faculdades no Rio são, Gama Filho, Cândido Mendes, Veiga de Almeida… Têm sempre o nome do dono, não é?  A minha, não; a minha foi Estácio de Sá. De certa maneira, Estácio de Sá foi um nome muito interessante, porque o Estácio de Sá morreu com 19 anos, fez o Rio de Janeiro, mas não fez o Rio de Janeiro. Ele criou um negocinho que ele não sabia nem no que ia dar, e deu nisso. A minha história é parecida: eu fiz um negocinho e deu no que deu. Só não quero morrer com uma flechada no pescoço! 

NAQUELE MOMENTO , EMBORA TENHA HAVIDO ESSE LADO PROSAICO. O QUE O SENHOR TINHA EM MENTE COMO PERFIL DESSA INSTITUICAO? O SENHOR PENSAVA QUE ELA IA FICAR SENDO UMA FACULDADE DE DIREITO? E VOLTADA PARA QUE PÚBLICO?

A minha meta não era mais do que isso: eu queria formar um profissional que tivesse uma boa noção de direito e daquelas quatro cadeiras, porque eu achava que isso ia ser bom. E como era bom, achava que alguém ia pagar para receber uma coisa que era boa. Como de fato pagou. Aí eu tive público e a coisa cresceu. Mas naquela época, mesmo que fosse ruim, eu ia ter público. Era uma época em que havia carência, e eu, por acaso, estava naquele lugar. Não consigo fantasiar para dar um outro colorido a isso. Havia alguma necessidade histórica? Havia, mas eu não tinha consciência dela. Fiz uma coisa ou por intuição ou porque fui levado a ela pelas forças do acaso, pelas forças da natureza.

Pois é.  Eu abri a Faculdade de Direito, aí Começaram a surgir outras pressões, pressões econômicas. Para ter boa sala de aula, para ter o professor bem remunerado, para ter uma série de coisas, eu precisava de recursos. Se a faculdade de direito dava algum recurso, abrindo duas ou três ia ter mais recursos.

 Aí eu abri a segunda e a terceira e a quarta: direito, economia, administração e comunicação. Agora, não tinha nenhum critério filosófico nem social. O critério era apenas o seguinte: estão precisando, eu posso fazer e com isso vou ter recursos para fazer uma faculdade de

direito melhor. Evidentemente, fazendo outra, também ia querer fazer bem feita, para ter público. E aí a coisa começou a se desencadear.

Eu diria que daí para a frente fui um joguete das forças do mercado.

Você pode ser um joguete no mar, você pode ser um joguete do vento,

mas se você entender um pouquinho e começar a se posicionar corretamente, você vai tirar um partido.

 Foi o que aconteceu: o mercado começou a jogar e eu comecei a acompanhar as linhas que ele me apresentava. E aí a Estácio começou a crescer, crescer, crescer… É claro que em alguns momentos eu tive de tomar atitudes, mas sempre atitudes que atendessem às forças do mercado e da natureza, porque se eu tomar uma atitude contra a natureza ou contra o mercado, vou me dar mal. Então, mesmo quando acerto, eu acerto porque tenho um referencial. Eu não sou o referencial.

Algumas vezes tive de tomar atitudes administrativas importantes na história da casa, porque ela mudou de padrão.

 Por exemplo, numa certa altura, já bem depois da fundação, eu quis me afastar e deixei tudo entregue a um filho meu e a outro funcionário, que eram muito moços. Mas vi que não ia dar certo, que a coisa ia ficar difícil. 

E a culpa não era deles, era minha, porque eu não podia botar um rapazinho com vinte e poucos anos para fazer isso. Aí eu tive de tomar uma medida importante: tive de reassumir e fazer a coisa mais difícil, que era realmente fazer equipe. Se não fizesse equipe, eu não podia fazer nada. Até tive um exemplo forte do seu Aguiar, que foi uma pessoa que me impressionou muito pela maneira como conduzia o Bradesco. Quando conheci o seu Aguiar, o banco era o quinto colocado.

Depois, quando ele já estava com noventa e poucos anos, tive um encontro com ele e perguntei: “Seu Aguiar, quando o conheci, o banco era o quinto colocado; depois o senhor chegou a primeiro, disparado.

O senhor sabia que ia chegar lá?” Ele disse: “Olha, eu já tinha sido o primeiro. Mas depois vi que eu não tinha equipe para andar, então tive de recuar até o quinto para poder fazer equipe e voltar.” Foi o que eu tive

de fazer a certa altura: tive de parar, refazer toda a instituição, descobrir

equipe, criar gente, criar um sistema diferente para poder tocar. Foi uma

revolução na casa e uma revolução na maneira de administrar.

QUANDO ACONTECEU AINDA ERAM FACULDADES INTEGRADAS OU JÁ ERA UNIVERSIDADE? 

Isso aí foi logo que a Estácio se tornou universidade.

A única importância, para mim, de ser universidade, era a seguinte: sendo faculdade, quando queria abrir um curso novo, tinha que fazer um pedido ao MEC, e esse processo às vezes levava anos. Sendo universidade, abria o curso que quisesse à hora que quisesse, podendo atender com mais rapidez às necessidades sociais que emergiam numa época de muita transição. Para mim, a única importância em ser universidade era isso: eu queria poder abrir o curso que quisesse e dentro da lei. Porque criar cursos sempre passando pelo MEC era uma coisa muito dolorosa: perdia-se muito tempo, tinha-se que fazer política e ir lá… Era muito complicado. 

E SE JÁ EXISTISSE NA ÉPOCA A FIGURA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO? Bastava.

QUER DIZER, NÃO ERA A CHANCELA DE UNIVERSIDADE QUE O SENHOR BUSCAVA; A QUESTÃO ERA A AUTONOMIA PARA A CRIAÇÃO DOS CURSOS.

Exato. Aliás, nessa época houve uma greve de professores, em 1986, em que a situação esteve tão ruim que quis voltar atrás. 

Com o pedido de universidade já feito, entreguei um ofício ao ministro, que era o Bornhausen, dizendo que não queria mais, que ele recebesse de volta a universidade. Porque o governo havia feito uma lei pela qual a gente tinha que pagar ao professor mais do que a gente recebia. Eu não podia pagar mais do que recebia… Então, nesse momento eu estava com o pedido de universidade feito e não me interessava mais ser universidade. Depois a lei não se concretizou, mas se tivesse continuidade eles iam fechar tudo, e eu queria entregar antes que me fechassem. Então 1987 foi o pior ano da minha vida profissional, 1988 foi o melhor — nesse ano virou tudo ao contrário e saiu a universidade. Agora, sobre ser universidade ou centro universitário, eu diria a você o seguinte: em certo sentido é melhor ser centro universitário, porque tem as mesmas vantagens e não tem as desvantagens.

QUAIS SÃO AS DESVANTAGENS?

Uma das desvantagens é você ter que fazer pesquisa obrigatória num país onde é muito difícil fazê-la. Acaba que as universidades privadas nem estão fazendo tanto, nem fazendo bem. Você então não está preenchendo todos os requisitos da lei, você está num déficit.

A PESQUISA ESTARIA RESTRITA AS PÚBLICAS?

Praticamente, é. Pesquisa, hoje, é nas públicas. Mas eu vou começar, agora, a fazer pesquisa mais profundamente. Encontrei um veio pelo qual a gente pode fazer isso por um preço decente, que a gente suporta, e com utilidade. Porque também não interessa fazer pesquisa sobre o sexo dos anjos.

E O SENHOR PODE ME ADIANTAR ESSE VEIO?

É cedo. Pode não dar certo.

ESTÁ BEM. PASSADO ESSE PROBLEMA DE 1987, QUAIS FORAM OS MAIORES DESAFIOS QUE A INSTITUIÇÃO ENFRENTOU PARA CONSEGUIR A CHANCELA DE UNIVERSIDADE?

Era mais burocrático, não tinha nada de especial. Depois da Gama Filho e da Santa Úrsula, fomos a primeira, no Rio de Janeiro, a obter o credenciamento.  Mas depois que a gente obteve todo mundo obteve: a Veiga de Almeida, a Castelo Branco… Não tem ninguém que não tenha obtido. E qual foi a qualificação extraordinária que a gente apresentou? Nenhuma. Meramente quantitativa e burocrática. Para ser universidade naquele tempo, tinha que ter universalidade de campo. A gente preencheu aquelas áreas todas e obteve.

E O PLANO DE ACOMPANHAMENTO QUE FOI FEITO DURANTE DOIS ANOS. COM OS PROFESSORES LAURO ZIMMER. RONALD BRAGA E EDI MADALENA FRACASSO?

É, teve um acompanhamento: tem que ter tantos professores com mestrado, tantos disso… Isso tudo foi verificado e foi cumprido. Mas eu não reputo que exista algum mérito nesse esforço, acho que isso é meio mecânico. Para ter universidade, você precisa ter, digamos, 50 mestres. Você contrata 50 mestres, tem a universidade. Qual é a qualidade? São alguns pressupostos de qualidade, mas isso não quer dizer que a qualidade venha. Eu acho que a qualidade mesma da Estácio começou muito depois, talvez há uns sete anos, quando a gente começou a se qualificar, também por causa do mercado. Foi ficando difícil; hoje é preciso disputar o aluno. Ou se oferece qualidade ou não se sobrevive. Se o mercado continuasse fácil, cheio de alunos, de vagas e tal, continuava como era naquele tempo: um cartório.

E ESSA QUALIFICAÇÃO, NOS ÚLTIMOS SETE ANOS, VEIO COMO?

Uma equipe boa, muito mais gente trabalhando e investimento na qualificação da casa. Porque para fazer bem-feito precisávamos de duas coisas: gente e dinheiro. Gente, eu consegui. 

Quanto ao dinheiro, a gente tinha um volume de cursos que já dava para

amealhar. Ora, aplicando na casa o dinheiro e tendo uma equipe boa, a consequência natural é qualificar. E uma vez qualificado, você começa a ter a preferência do público.

ISSO CHAMA A ATENÇÃO DE QUALQUER PESSOA QUE ANALISE ESSE CENÁRIO: O TAMANHO DA ESTÁCIO. AGORA, NO RELATÓRIO DE RECONHECIMENTO DA ESTÁCIO DE 1988, AFIRMA-SE QUE ELA PRETENDIA SER UMA UNIVERSIDADE DE MÉDIO PORTE. NA VERDADE, ELA SE TORNOU UMA UNIVERSIDADE DE GRANDE PORTE.

É, a vocação da Estácio era ser uma universidade de pequeno porte. Lembro que a publicidade que eu fazia quando ela foi fundada dizia: “A menor faculdade do Brasil.” Realmente era pequena: só duas turmas de direito. Eu achava isso a grande qualidade. E posso dizer que era muito mais romântico e agradável trabalhar naquela faculdade do que na de hoje. 

Então a vocação seria aquilo mesmo, más o mercado não deixa. Se eu tivesse ficado daquele tamanho, eu teria sido engolido. Eu chegaria a um ponto em que não poderia dar a qualidade por falta de recursos.

QUER DIZER QUE O CRESCIMENTO DA ESTÁCIO SUPEROU EM MUITO AS EXPECTATIVAS?

Nem posso dizer que ele superou as expectativas. Não havia expectativa. O que a gente fazia? Acordava de manhã, botava o sapato e a meia, a gravata, e vinha trabalhar. De noite, dormia. O que a gente esperava? Fazer isso bem-feito. Quando a gente levantou os olhos, olhou em volta e disse: “Meu Deus, olha de que tamanho está isso!” Foi um pouco assim.

EM 1998, A ESTÁCIO TINHA 14 MIL ALUNOS E, EM 1999, ELA TINHA 27 MIL. QUER DIZER, EM UM ANO O NÚMERO DE ALUNOS DOBROU. O QUE ACONTECEU NESSE MOMENTO?

Olha, é muito difícil para nós explicar. Talvez você procure todo mundo aqui dentro e ninguém saiba. 

Porque o que a gente fez foi isso: sentar e trabalhar todo dia, sem uma segunda intenção. A intenção era fazer bem-feito o que a gente estava fazendo.

 Nos preocupamos com a qualidade e o boca a boca fez o resto do serviço — eu acho que foi mais isso. Porque você pode ver os provões: nossos conceitos são todos satisfatórios.

 O aluno é de boa qualidade porque a gente também está ajudando, apertando, dando um bom curso. Isso foi uma questão de bom trabalho e muita dedicação. Algumas atividades paralelas foram muito importantes também. Fizemos cursos gratuitos, curso de mestrado com a França, trouxemos gente para cá… E fizemos muita coisa nova: fomos a primeira faculdade de turismo do Rio, a primeira faculdade de hotelaria, o primeiro curso de Arqueologia… Fomos tanta coisa primeiro, primeiro, primeiro, que eu acho que o conjunto disso explodiu na frente.

ESSE CRESCIMENTO ASSUSTA HOJE?

Assusta, porque a gente tem que ter uma equipe progressivamente maior. 

Hoje, todo o meu trabalho é aumentar a equipe para a gente dar conta. Então assusta porque é uma coisa nova. E se a gente não tiver equipe? É complicado. Agora, eu acho que a gente ainda vai crescer muito. Vou dar um exemplo: 

os Estados Unidos estão crescendo muito e vão crescer mais. Por quê? 

Pelo que fizeram no século passado. Nós estamos crescendo pelo que fizemos.

 Fizemos uma semente boa, que vai crescer. O salto vai ser muito grande, e a gente tem que acompanhar. Se a gente não acompanhar, pode cair.

MAS ESSE MERCADO AQUI NO ESTADO DO RIO TEM UM LIMITE…

Mas já estamos fora, em vários estados.

E COMO É ESSA EXPANSÃO?

Em cada lugar é diferente, não tem um padrão. E estamos saindo do Brasil. Hoje mesmo tem gente fora do Brasil tentando acertar umas parcerias com universidades estrangeiras. Estamos crescendo por inércia. Não crescemos agora porque alguém pensa, tem uma estratégia maravilhosa, inventa uma coisa. Não, crescemos porque estamos no embalo.

MAS UMA INSTITUIÇÃO QUE TEM ESSA MARCA DE INOVAÇÃO, ISSO É O CONTRÁRIO DA INÉRCIA…

Tem uma parte inercial e outra parte que está sendo gerada.

E onde isso é gerado? É gerado de conversa. Vou ali, me contam uma

coisa, outro me dá uma ideia… 

Antes era mais difícil implementar projetos novos, porque me faltava equipe e me faltava recurso. Hoje a gente tem uma equipe de administradores muito boa; ela não é tão grande quanto a gente precisa, mas é excelente. Então, com a equipe que a gente tem e com os recursos que a gente gerou, posso ser inquieto e as coisas vão acontecer.

 Agora, na administração da mantenedora, acho que há poucos formalmente graduados. Gosto de trabalhar com pessoas que não têm formação convencional. Acho que gente formada, pós-graduada e tal não foi feita para administrar, mas para ensinar.

 Quem foi feito para gerir é um intuitivo, por isso não gosto de gente administrando que não seja intuitiva. A formação acadêmica especializa e, com isso, restringe a intuição. Administrar é para leigo. Ensinar para o erudito. Para mim soa tão estranho botar um leigo dando aula quanto colocar um acadêmico administrando.

Essa é a regra número um da casa: não tenho gente de alto gabarito acadêmico na administração da mantenedora. Já na administração acadêmica, da universidade, a regra é outra: doutores são bem-vindos. Vou dar um exemplo: se você quiser ser carteiro, precisa ter o segundo grau, se você quiser ser lixeiro, precisa ter o primeiro grau, mas para ser presidente da República, basta ser brasileiro nato, saber ler e escrever e ter mais de 35 anos de idade.

É o que está na Constituição. Para aplicar a lei, ser juiz, você precisa do terceiro grau em direito. 

Mas para fazer as leis — ser do Legislativo – não precisa de grau algum. É a sabedoria que está debaixo das coisas. Para ser presidente da República não precisa ser pós-graduado em Yale, nada disso.

 E acho mais: se tiver, não presta. Instrução é para criar o meio-de-campo. Eu vi uma reunião no Bradesco em que alguém chegou e disse: “Eu suponho que aqui as pessoas tenham ido para a universidade e tal.” E o

seu Aguiar disse: “Olha, aqui o único cara que tinha segundo grau era o Laudo Natel, que foi chamado para ser governador de São Paulo.

Ninguém aqui tem o segundo grau completo, nem eu.” Aquilo me chamou muito a atenção.

MAS ESSE NÃO ERA UM OUTRO BRASIL, NA ÉPOCA DESSA REUNIÃO?

Era o Brasil do futuro. Eu acho que o mundo caminha para a intuição, o mundo caminha para abandonar a universidade, ou pelo menos para a universidade ter um papel diferente.

 Hoje todo mundo que é da universidade, é claro, acha a universidade maravilhosa, porque assim a pessoa que está falando vira maravilhosa. Mas eu acho que a universidade tem um papel coadjuvante, não principal. O desenvolvimento dos povos não é só pela universidade. Cícero não estudou em faculdade, Hipócrates não estudou em faculdade, os que fizeram as pirâmides do Egito não fizeram arquitetura. Todas as profissões existiram antes, das faculdades. O homem do século XX é que botou na cabeça que para ter uma profissão precisa ter uma faculdade. 

Isso é uma deformação da nossa época. Antes, a sociedade vivia sem universidades e, no futuro, pode voltar a viver sem elas; basta o homem

encontrar um sucedâneo.

A SOCIEDADE DE ENSINO SUPERIOR ESTÁCIO DE SÁ, QUE INVESTE MACIÇAMENTE NA UNIVERSIDADE, TEM OUTROS INTERESSES, ENTÃO?  PORQUE A ESTÁCIO DE SÁ É ENORME, TEM UM POTENCIAL DE CRESCIMENTO MUITO GRANDE, MAS O SENHOR ESTÁ ESVAZIANDO A IMPORTÂNCIA DA UNIVERSIDADE…

Não, não estou. A universidade é ultra importante, mas não tanto quanto se apregoa. O que eu acho é o seguinte: o importante não é que você tenha feito universidade, e sim que você saiba.  E você pode saber sem ter feito universidade.

 Eu me formei em direito morando em São Paulo, vindo assistir às aulas de vez em quando, quando podia, e me formei na UERJ sem saber nada.

 Aí, um dia, teve um concurso para juiz, eu me tranquei em casa dois anos, fui estudar e aprendi. Eu me formei ali, nos meus livros; li os livros e aprendi. Isso, aliás, é uma coisa, para mim, muito importante: o cara que sabe ler e escrever basta, não precisa mais nada, porque com isso ele vai fazer e aprender o que quiser. Para que curso? Não precisa ter curso. Pode ter, mas também pode não ter. Machado de Assis não era formado. Maomé era analfabeto.

Mas também tem uma coisa: minha filosofia pessoal não tem nada a ver com a Estácio de Sá. 

O MEC quer assim, a Estácio vai fazer assim, não interessa o que eu penso. Agora, em paralelo, faço outras coisas porque me interesso. Por exemplo, eu acho muito importante, hoje, a questão do Instituto Politécnico, os cursos sequenciais. Formar gente no Politécnico é mais importante para o futuro do país do que formar gente na universidade — isso é uma opinião pessoal.

 Então o que a Estácio faz? Faz os dois. Outros não entenderam o sequencial.

Sabe por quê? Porque eles querem fazer outra faculdade dentro do sequencial, que, na verdade, é para substituir a faculdade em um nível mais operário.

ENTÃO O POLITÉCNICO TERIA O OBJETIVO DE FORMAR PARA O TRABALHO, FORMAR PARA FAZER.

É. Eu acho que a universidade vai ser toda reformulada, quer queiram, quer não. Mas ela vai ser reformulada no sentido oposto do que se quer. 

Hoje o que se quer é doutorado, pós-doutorado, voltar de dois em dois anos para complementar… Eu acho que não é por aí.

 Acho que a coisa vai para a simplificação. Se as faculdades não começarem a mudar e a preparar o pessoal efetivamente para o trabalho, em vez de continuarem com negócio de erudição, não sei o quê, tese de mestrado, tese de doutorado, elas vão desaparecer. Mas desaparecer mesmo!

Porque as empresas vão começar elas mesmas a preparar o seu pessoal, e vão deixar as faculdades fazendo tese. Aí elas vão desaparecer por falta de sentido. E ninguém precisa dizer que o saber está ligado à universidade, porque antes da universidade o saber já existia. A Grécia era cheia de filósofos, o que não foi superado até hoje, e não tinha nenhuma faculdade. Se a gente não se adequar, a universidade vai desaparecer. 

Não é para os meus dias; até eu morrer não vou ver isso. Mas já sinto uma tendência: a gente precisa ir para a empresa e eu vou com os sequenciais. 

As pessoas precisam trabalhar e, para ter emprego, não precisam defender tese nenhuma. Se defenderem, vão ficar desempregadas, porque começam a retardar seu ingresso no mercado. Mestrado, doutorado, tudo isto é importante, mas para poucos escolhidos, não para o geral.

ESSA SUA FILOSOFIA ORIENTA TAMBÉM O CONTATO DA ESTÁCIO COM AS EMPRESAS?

Desde que comecei a faculdade de direito, por intuição eu já sentia o seguinte: preciso preparar o aluno para trabalhar. Tem gente que quer fazer faculdade para preparar o individuo para ser culto. Eu sempre achei que a gente deve preparar o individuo para ele trabalhar e poder ganhar a vida. A linha tem sido essa até hoje. O objetivo da nossa graduação é tentar fazer desse homem um trabalhador num nível X. Já no Politécnico, é tentar fazer dele um trabalhador num nível mais segmentado.

E no mestrado, doutorado etc. e tal, é preparar eruditos para nível mais alto. E se tem gente querendo ser erudita, eu vou ajudar a ser.

Depois, tem uma coisa: se o MEC acha que, para o Brasil, é bom formar doutores, vou formar doutores, mesmo que seja contra.

Eu obedeço ao governo. Eu sou um cidadão, portanto, um súdito. Se tenho alguma ideia, faço em paralelo, mas não deixo de obedecer.

Talvez isso venha da minha formação jurídica. Sou profundamente contratual, porque fui juiz. Então, se ponho no contrato que vou fazer uma coisa, vou fazer mesmo que não goste. Não sou um ideólogo.

Se tenho alguma ideia, procuro pô-la em prática, mas não vou brigar por ela. Posso estar enganado. É o que a Estácio tem feito.

Por exemplo, lancei cursos de formação de madrugada. O MEC mandou uma carta: “Não pode ter curso de graduação de madrugada”

Está bom. Então estou fazendo curso de extensão gratuito de madrugada. Tem dois turnos: um que vai das onze da noite às três, e um

que vai das quatro às oito.

 Tem 1.800 alunos em cada um. Aí o MEC não disse nada. Obedeci ao MEC e, ao mesmo tempo, a minha experiência. Quer dizer, ele acabou não me tolhendo, porque eu tive uma alternativa, a criatividade não ficou atrapalhada pela restrição. Não acho que alguém possa restringi-lo se você não quiser ser restringido.

Então acho que o MEC não vai incomodar em nada. Quando ele não

quer uma coisa, eu não faço, vou buscar uma alternativa.

ESSE EXEMPLO DOS CURSOS DE MADRUGADA É INTERESSANTE, POR QUE ESSA IDÉIA?

Eu fiz para experimentar. Ficou chato todo dia o mesmo curso: de manhã, de tarde… Por que não de madrugada? Vamos fazer? Vamos.

Fizemos. Não foi para ganhar mais dinheiro porque o curso é de graça. Não foi porque eu acho que isso aqui é uma coisa muito intelectual, muito formidável, também não foi. Foi para quê? Foi para a gente testar. Curiosidade. E deu certo.

ISSO DÁ MARKETING PARA A ESTÁCIO?

A coisa que dá mais marketing no mundo é você fazer o que tem que fazer, cumprir sua obrigação. Por exemplo, em todas as propagandas da Estácio você nunca vai ver assim: “Inscreva-se já.” Duvido.

Eu não quero que o leitor se inscreva. Eu digo: “Eu faço isso, isso e isso.

Você vê se quer ou não. Se você quiser, vem. Se não quiser, não vem não, para não atrapalhar.” Todo nosso sentido é esse. Eu não vou fazer um negócio porque dá marketing.

 Marketing não é produto e eu trabalho por um produto. Eu faço um produto. Fiz o curso de madrugada porque achei uma curiosidade, achei interessante. E foi bom.

Tem algumas funções que não existem na casa. Assessor de imprensa, por exemplo. Eu fui repórter, posso dizer isso: se você fizer uma coisa que é notícia, o repórter vai tirar você de baixo da sua cama.

Se você fizer uma coisa que não é notícia, precisa contratar um assessor de imprensa. Vai sair e tal, mas não vai dar em nada porque não é notícia, é falso. Você deve fazer a notícia, e não o noticiário.

 E quem contrata um assessor de imprensa faz um noticiário, mas não faz a notícia. Você pega um aluno para conviver com ele quatro anos. Adianta você botá-lo enganado aqui dentro? Ele vai sair no primeiro ano, você vai ficar com uma turma pequena, tendo que levar quatro anos. Prefiro que não venha, prefiro conhecer o meu fracasso. É mais barato doque parecer que é um sucesso.

O SENHOR ESTÁ SEMPRE MUITO PRÓXIMO DAS DECISÕES, NA ESTÁCIO?

Estou sempre atento. É diferente hoje quando estou com 67 anos, do que quando eu tinha 40. Eu era muito mais presente: consertava a luz, fazia inscrição, recebia o dinheiro, dava aulas. Fazia tudo, fazia coisa pra caramba! Hoje, não; hoje eu penso. É capaz de eu passar a manhã na praia, olhando para o mar, mas é ali que estou trabalhando. Quando venho para cá, não é para trabalhar; é para conversar!

QUAIS SERIAM, ENTÃO, AS CARACTERÍSTICAS DA ESTÁCIO?

A rapidez é uma delas. Se você chegar aqui com uma proposta às duas horas, às três você sai com ela aceita ou rejeitada.

 Em outro lugar, é capaz de dizerem: “Ah, muito interessante, faz um projeto, traz por escrito e tal.” Se você trouxer por escrito, acho que ninguém vai ler, porque a gente não tem tempo de ler. A gente vai ouvi-lo; quando você acabar, a gente tem uma decisão. Por que é assim? Porque o pessoal é intuitivo: O pessoal é muito verbal, a Estácio tem uma tradição de oralidade. Não tem memorando, não tem papel, é tudo verbal.

 E tem outra coisa também, que ajuda muito: é proibido dizer não a um projeto. Se você disser sim, pode botar ele em prática, não precisa consultar o de cima: Se você disser não, você tem que mandar para o de

cima. Normalmente nas empresas nada pode: “não, não, não, não”.

Aqui, é o contrário: “sim, sim, sim, sim”. Se você chegar com um projeto,

eu não digo assim: “Bom, então vamos fazer uma pesquisa de mercado.” Não, se eu achar que o projeto tem qualidade, eu digo: “Bom, então vou fazer anúncio no jornal. Se der certo, começou; se não der certo, não tem valor, até logo.” Eu nunca fiz um estudo de mercado. Você gasta muito mais com estudo do que com anúncio. 

Com anúncio, você sabe a verdade logo, e com pesquisa de mercado você, às vezes, continua sem saber. Porque às vezes você faz a pesquisa, tem um resultado; ai você bota um anúncio e não dá. Então por que vou fazer pesquisa de mercado se posso fazer um simples anúncio? Na área da educação é melhor a experiência do que a pesquisa de mercado. Se for para fabricar um objeto que é muito caro, tudo bem. Mas o ensino não é isso. É um professor que você só contrata se tiver o aluno. Realmente, a velocidade é uma tônica da Estácio. Ela é produto da simplificação das coisas.

DESBUROCRATIZAÇÃO, QUEBRA DE HIERARQUIA…

Autonomia, hierarquia zero. Aqui, todo funcionário é responsável pelo que faz, mesmo que esteja obedecendo.

 Porque se o chefe mandar e ele achar que não deve fazer, ele tem que recorrer ao de cima. Se ele faz é porque quer.

 Então, dá sempre uma responsabilidade solidária. Eu acho que a administração da Estácio tem alguns toques que ajudaram muito, e são todos de extrema simplicidade, coisas muito bobas. 

Eu não tenho um organograma da casa. Se você me perguntar: “Marcelo é diretor de quê?” Não sei; sei o que ele faz e para mim ele é o Marcelo. Não tenho organograma, não tenho distribuição de funções, e, no entanto, acontece. Acontece porque acontece naturalmente. É um pouco difícil até de explicar. Nós temos essa maneira de fazer, que é extremamente simples, mas que eu acho que é do futuro.

E COMO SE MANTÉM A INTEGRAÇÃO, COM ESSE ALTO GRAU DE AUTONOMIA?

Tudo o que der errado, a gente vai saber. Se você começar a decidir e der muito errado, você vai sair e pronto.

 Então o controle é a posteriori. É o risco. Em vez de eu me prevenir para ninguém errar, não, a gente conserta depois de errar. Deixa o pessoal errar. É um pouco assim. A gente acreditou e não deu caos. Eu tive medo de que desse caos e as pessoas também tiveram. Mas progressivamente a gente está acreditando cada vez mais no sistema. Não tenho a pretensão de que não vão acontecer erros. Esse sistema vai levar a alguns erros. Mas é melhor do que o outro, que leva ao emperramento

 A Estácio faz primeiro e pensa depois, em cima do que fez. Porque eu também acho uma coisa: fazer é uma maneira material de pensar.

MAS O SENHOR TEM QUE TER UM CONTROLE INTERNO GRANDE, PARA TER O RETORNO DO QUE DÁ CERTO E DO QUE DÁ ERRADO, NÃO É?

Vou dar um exemplo: não sei como estão o meu baco e o meu pâncreas nesse momento, mas não preciso saber. Se estiverem errados, isso vai aparecer. É igualzinho na empresa: não temos controle nenhum. 

Quem faz muito papel pensa que tem controle, mas também não tem. Nós sabemos que não conhecemos a empresa. Também não conheço a natureza e vivo nela, também não sei pilotar avião e vivo viajando de avião. Como vou conhecer tudo o que está acontecendo numa empresa desse tamanho?

 Você pega um prefeito do Rio de Janeiro, ou um presidente da República, ele pensa que conhece aquilo porque recebe muitos relatórios, mas é mentira: ele não conhece, é uma fantasia. Eu não acredito em controle. Eu acredito que, se você seguir a natureza, vai acertar; se você não seguir, vai errar. E a gente tenta seguir e tem acertado.

VAMOS FALAR U M POUCO DE PROCESSOS DE AVALIAÇÃO, ENTRE ELES O PROVÃO. COMO O SENHOR VÉ ESSAS AVALIAÇÕES E SEUS CRITÉRIOS?

Qualquer critério que o MEC use, ou qualquer pessoa use, está sujeito a uma crítica. O MEC escolheu esse critério? Então está bem, nós vamos obedecer. É bom ou ruim? Não sei. Isso não é da minha alçada, é da alçada do MEC. Ele lá vai saber. Eu vou fazer o que ele disser.

MAS O SENHOR ACREDITA NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE RESULTADOS?

Eu acredito que é melhor isso do que nada. Agora, julgar uma faculdade pelos alunos é meio complicado. Porque você pode ter maus alunos em um ano e não ser ruim.

 

Às vezes a faculdade é ruim, mas o aluno é bom… Mas isso em grandes números dá distorção. É um esforço louvável do MEC, que sempre pode ser melhor. Se a gente quiser falar mal, fala mal à vontade. Quando baixou a gasolina, disseram:

“Baixou a gasolina, mas subiu lá e tal.” Se você quiser falar mal, você fala mal de tudo, até da baixa do preço. É só estar com vontade. Acho que o Provão foi uma vitória do MEC e do ensino no país. Antes não havia nada. Agora, é aperfeiçoar o processo mais e mais. Precisamos ser avaliados. 

DE QUALQUER MANEIRA, HOJE EM DIA É IMPORTANTE SE SAIR BEM

NO PROVÃO. A ESTÁCIO JÁ SE SAIU PIOR E TEM SE SAÍDO MELHOR.

É

E O QUE TEVE DE SER MUDADO PARA ISSO?

Nada. Eu apenas estou preparando o pessoal cada vez melhor.

A gente está tomando cuidado com as pessoas, caprichando no ensino

do português e de outras coisas, para o pessoal se sair melhor. 

Quer dizer, o resultado é o que o MEC quer: que a gente melhore. E nos levou a ser mais atentos do que éramos antes, sem dúvida. Então foi bom.

E A QUESTÃO DO RECREDENCIAMENTO DAS UNIVERSIDADES?

Também acho bom, porque exige da gente uma atualização.

Eu acho que tudo o que for para arrochar a faculdade é bom, porque

obriga a gente a ser melhor. 

O que é ruim é abafar, mas o MEC não fica na sala de aula fiscalizando o professor. Dá toda a liberdade, depois controla no fim, no recredenciar, para ver se saiu bem. Está bom, é um critério.

E O QUE O SENHOR PENSA DOS PADRÕES ÚNICOS DE AVALIAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES?

Eu acho totalmente irrelevante quantos doutores eu tenho, quantos mestres… Isso não faz uma faculdade ser boa. 

O professor mestre, doutor e pós-doutor não é melhor do que um professor recém-formado, se ele for talentoso. Eu já vi de tudo. Então eu acho que esse critério não é bom. Mas qual é o bom? Também não sei. É um critério como outro qualquer. Eles escolheram e vamos obedecer. Porque se for outro também terá defeito.

 Em matéria de educação, em que todo mundo tem por profissão pensar, duvido que haja uma coisa que possa ter sequer a maioria absoluta, quanto mais a unanimidade.

O SENHOR FAZ VIAGENS PARA FORA DO BRASIL. TRAZENDO IDEIAS E POSSIBILIDADES DE CONTATOS?

Faço viagens por causa da pintura. Eu gosto de pintar e já fiz exposição aqui, nos Estados Unidos, na Suíça…  Viajo porque exponho e, nas viagens, aprendo coisas.

Descobri o Politécnico numa viagem a Guadalajara, onde fui expor uns quadros. Cheguei lá, descobri uma faculdade que tem um politécnico, achei bonito. 

Fui lá por causa de pintura e voltei com o Politécnico! Também tenho uma filha que mora nos Estados Unidos, então vou visitá-la e os netos, que moram lá. 

Não viajo para ir conhecer uma faculdade. Nem passo na porta. Quando viajo, em geral é para expor ou para ver quadros. Disso eu gosto.

ENTÃO, ALÉM DE JORNALISTA, ADMINISTRADOR, JUIZ E FUNDADOR DE FACULDADE, O SENHOR É PINTOR.

E, mas não fiquei famoso com nenhuma delas!

MAS TEVE SUCESSO. A FAMA É OUTRA COISA.

Eu tive sucesso só na faculdade, que é a coisa de que eu menos entendo! Mas gosto particularmente de duas coisas que criei: o livro O Direito, um mito e a peça de teatro, que escrevi e o Gracindo Jr. dirigiu, chamada Meus prezados canalhas.”

COMO O SENHOR VÈ O CENÁRIO DO ENSINO SUPERIOR HOJE, NO PAÍS? PARA QUE LADO ISSO ESTÁ CAMINHANDO?

Sou um cara de ideias políticas muito primitivas e muito indiferente, sabe? Então não sou a melhor pessoa para falar sobre isso.

Posso dizer o seguinte: vejo que o mundo inteiro, não só o Brasil – vejo por que viajo por aí —, vai fazer uma revisão nos seus processos de educação. O Brasil não está atrasado nem adiantado com relação aos outros, é tudo um pouco a mesma coisa. Por quê? Porque os processos de educação estão ficando obsoletos.  E, no entanto, todos     continuam 

querendo se sofisticar nas pós-graduações, teses, mestrados, doutorados, essa coisa toda, o que eu acho um profundo equívoco. A humanidade está indo por um caminho que não é bom.

 Não é o Brasil, é a humanidade toda. Mas depois ela vai mudar, porque a humanidade vai fazer o que tem de fazer. A natureza vai obrigar. Vou dar um exemplo.

 O computador foi inventado e todo mundo já aproveitou o que pôde: o comerciante — para mim, o comerciante é um cara muito sensível, que eu gosto de ouvir -, os industriais… Só tem um setor que ainda não aproveitou os computadores direito: as universidades. Estão querendo fazer educação a distância, mas não sai do chão. Blá-blá-blá…

Falam e não acontece nada. Os comerciantes já estão ganhando fortunas com isso, as indústrias, todos já estão ganhando, e as universidades ainda estão discutindo, com muita burocracia, para ver como vão fazer educação a distância. Isso é um pouco a história do ensino no mundo.

A ESTÁCIO AGORA TEM A UNIVERSITY ON LINE, QUE É UM POUCO A IDÉIA DO ENSINO A DISTÂNCIA.

A University on Line que a gente está fazendo, para mim, é um lugar comum. Estou fazendo o que todo mundo pode fazer, o que todo mundo está fazendo.  Não considero isso uma inovação. Vamos fazer educação a distância, formar o aluno dentro de sua casa, eu acho que o que a gente tem até agora não vai a lugar algum. Estamos criando uma era, cheia de coisa nova que a gente ainda não sabe usar.

A educação está ficando obsoleta como todo o resto. É normal. As profissões de médico, advogado, engenheiro estão ficando obsoletas; devem ser recicladas, repensadas. Não é culpa desse governo, ou culpa

do governo que vem; ou culpa da esquerda, da direita… Nada disso. É

o momento histórico que a gente está vivendo, um momento de envelhecimento de algumas coisas.

 E a gente precisa ficar atento para tentar descobrir qual será o caminho novo. Faz uma experiência aqui, faz outra ali, para ver se, de repente, a gente vai estar atualizado.

 Agora, sempre seguindo a tradição, sendo conservador, de um lado, para manter o que a gente já conquistou, e, do outro lado, sendo inovador e criativo, fazendo experiências. Essa é um pouco a história da Estácio.

E QUE LUGAR TEM A UNIVERSIDADE PRIVADA NO CENÁRIO BRASILEIRO?

Há uma distinção entre universidade pública e privada? 

Uma o público paga através dos impostos, a outra o público paga no caixa.

As duas o público paga. Quer dizer, nem aí existe uma diferença muito substancial. Eu acho que a universidade pública é um pouco poseur, um pouco pedante: acha que é formidável porque é pública. E a universidade privada acha que a universidade pública devia acabar, porque é obsoleta, e ela que é inovadora. É poseur, também.

É só uma disputa de pedantismo entre uma e outra, mas as duas são a mesma coisa.

 Eu estudei na universidade pública. Se ela fosse privada, teria sido a mesma coisa. Até porque os professores são os mesmos. Você passa lá na UFRJ, os professores estão dando aula; depois passa na Gama Filho, encontra os mesmos professores; passa aqui, também estão dando aula. Qual é a diferença? Não vejo diferença nenhuma. Não tenho nenhum preconceito contra a universidade pública ou a privada.

Acho uma tão boa quanto a outra. As duas podem conviver, ou pode acabar uma e deixar só a outra, desde que atenda a todo mundo. Ou podem acabar as duas! Basta o homem encontrar outra solução. Não tenho o que dizer sobre universidade pública ou privada porque não vejo diferença. Nem no fato de pagar. Ambas são pagas.

MAS TEM GENTE QUE NÃO PODE PAGAR E DEVE TER O DIREITO DE ESTUDAR.

Quem quer estudar estuda de qualquer jeito, até sem poder pagar. Os exemplos são numerosos. 

Eu fazia duas faculdades. De manhã fazia direito, de noite fazia filosofia, de tarde trabalhava como escrevente. Todos os que conheci que realmente quiseram estudar puderam estudar. 

Para mim, quem quer estudar sempre consegue estudar. Não poder pagar é desculpa de quem não quer estudar. 

Tem sempre uma maneira. Aliás, num país em que se diz que há fome e analfabetismo, é um luxo ensino gratuito no terceiro grau. Se o primeiro e o segundo grau estivessem atendidos, tudo bem. Mas como cuidar do terceiro sem os outros resolvidos? O dinheiro que vai para o terceiro grau está faltando nos graus inferiores. É justo?

NESSE CENÁRIO EM QUE A EDUCAÇÃO ESTÁ OBSOLETA, QUAL É O DESAFIO DA ESTÁCIO, COMO ELA VENCE ISSO?

Ela lida com isso da seguinte maneira: obedecemos à tradição. Tudo o que é tradicional, nós fazemos, e a tudo que é mandado pela lei, nós obedecemos. 

Em paralelo, a gente faz as experiências que a gente acha que deve fazer. Quando elas dão certo, acabam copiadas.

Nós começamos o politécnico e o MEC acabou criando o sequencial, que é o politécnico que a gente havia feito. Então, aquilo que você faz, se der certo, não vai ser copiado apenas pelo concorrente, mas pelo governo. Porque o governo também tem interesse em fazer coisa boa.

Quando o outro faz coisa boa, eu também copio, porque isso faz parte da vida. Então, a maneira de lidar com o desafio é conservar, porque o que a gente conquistou até hoje na humanidade não é para se jogar fora, mas, em paralelo, experimentar. É o que a gente está fazendo.

Experimentamos, por exemplo, com o curso gratuito, no qual juntávamos 20 mil pessoas. Faço para atender à população que não pode pagar? Não é nada disso. Faço porque acho bacana, gosto de fazer. Por que quero ajudar os pobres? Não, sem demagogia. Quero cumprir minha obrigação e atender a quem me paga, e fazer algumas coisas que eu acho interessantes e que não fazem mal a ninguém.

Não foi para ganhar dinheiro, e não foi para perder dinheiro também. A gente fez uma coisa que se equiparava. Eram 20 mil pessoas, cada uma pagava a taxa simbólica de dez reais e isso ajudava nas despesas. O banco pagava o resto. Saiu praticamente de graça para uns, saiu bom para o banco, porque fez publicidade, e o professor ganhou o salário. Foi uma beleza para todo mundo. Acreditamos muito que se você somar os recursos disponíveis e inertes que estão aí, você dobra tudo.

O SENHOR ESTÁ FALANDO DE UMA CAPACIDADE OCIOSA.

E, só de aproveitar o que está ocioso. Não precisa inventar nada, é só aproveitar o que tem. Eu tenho uma faculdade que à noite é fechada; se eu abrir à noite, puser alunos de madrugada lá, é uma beleza. O que eu gasto? Nada. Por que não fazer? Quase digo: em vez de me perguntarem por que eu faço, deviam perguntar por que não fazer.

Está lá. Por que a gente fecha sábado e domingo? Quanta gente precisa dos computadores que eu tenho! Nós temos um oceano de computadores.

 E justo aquilo tudo parado, sábado e domingo? Alguém deve estar precisando. Custa alguma coisa? Ninguém entra com nada!

Então, acho que foi um pouco esse jogo que a Estácio fez. Porque não tinha recurso para fazer nada e tudo o que foi feito foi com a imaginação. Nada rende mais do que a imaginação.

OUTRO EMPREENDIMENTO QUE O SENHOR ORIENTOU BASTANTE FOI O CAMPUS TOM JOBIM, NA BARRA DA TIJUCA.

É, é um campus bonito, não é? É bonito, moderno, bem aparelhado, um campus em que o aluno se sente bem. 

Isso faz parte, é estético. Tem pintura, que não é só minha, tem escultura… O sujeito se sente bem e sai da faculdade aprendendo mais. Alguém me disse o seguinte: “Se você aprender só a sua especialidade, você não sabe nada, nem a sua especialidade.” Eu acho que a gente precisa ter um pouco de curiosidade genérica. Então o sujeito vai fazer faculdade de direito, mas lida com escultura, com pintura, e isso vai fazer bem a ele. Se não fizer bem, também mal não faz. O Tom Jobim é um pouco de respeito ao consumidor: vamos dar a ele uma coisa decente sem ser luxuosa.

ESTÁ PERFEITO. JÁ CONHECEMOS UM POUCO A FILOSOFIA DA ESTÁCIO.

Acho que é ultra simples. Às vezes a gente fica com dificuldade de conversar porque não tem nada de extraordinário para dizer.

Mas a gente vai vendo por que a Estácio foi acertando em algumas coisas.

 E são coisas muito primárias, porque não tive de citar ninguém para dizer a razão pela qual eu faço alguma coisa. É uma instituição de Sancho Pança, de bom senso. Sabedoria do dia-a-dia. Não boto um anúncio que a minha empregada não entenda.

MAS ALGUM MISTÉRIO TEM AÍ, HÁ UM FEELING MUITO FORTE.

Tem algum mistério, nós também achamos. Porque como a gente pôde ter ficado desse tamanho, eu não sei. E agora eu já acho que vai ficar maior.

Numa faculdade centralizada, em que um manda e um monte de pessoas obedece, tem uma cabeça só. Já numa faculdade descentralizada, em que não há hierarquia, tem mil cabeças.

 Onde tem hierarquia, uma cabeça fica sem funcionar: a do que obedece. Como aqui não se obedece cegamente, tem cabeça pra caramba.

Hoje posso dizer que a Estácio não sou eu. A Estácio foi eu até um certo ponto.

Hoje não é mais, porque tem tanta gente, com autonomia, fazendo, que eu sou surpreendido. Fui ver uma faculdade que eles abriram em Del Castilho, fiquei estarrecido. Nós temos 20 campi no Rio e eu só conheço três. Já abrimos nos estados, mas nunca fui. Então, se não conheço e está lá, não fui eu quem fez. Se não fui eu, quem foi? O pessoal que está aí. Por quê? Porque tem autonomia. Se eu fosse fazer de tudo, eu estava morto.

 Mas tudo isso é por acaso, não é por uma sabedoria. Quando eu era juiz, saiu uma lei que dizia que juiz não podia ser nada, a não ser professor, e eu era presidente da mantenedora.

“Pomba! Não posso mais ser presidente.” Sai e botei um presidente lá. Quinze anos depois me aposentei como juiz. Voltei para presidente? De jeito nenhum. A melhor coisa do mundo foi eu sair! 

Mas não foi sabedoria, foi contingência. Há uns cinco anos tive uma angina, fui para os Estados Unidos, fiz um cateterismo. “Você está com um entupimento. Olha, você tem que mudar o estilo de vida.” Eu entrava aqui às sete horas da manhã, saía às dez da noite. Vou ter de mudar o estilo de vida? Só tem uma saída: dar autonomia para todo mundo.

Então por que eu dei autonomia? Por razões de saúde. Não foi por nenhuma esperteza, nenhuma bolação administrativa. Deu certo, explodiu.

É um pouco assim. Aí fica difícil a gente dizer como chegou lá. Eu não

sei. Eu sei que dei autonomia, o negócio cresceu, e aí eu passei a dar

com intenção. Mas originalmente posso dizer que foi por um acidente coronariano!